Por Enaldo Segundo
Cantada. Isso mesmo. Nos últimos dias parei para pensar em algo que não é novidade no "meio musical", principalmente para quem vive a base de música como eu, e, com certeza, como muitos de vocês. "O executor da obra maior que a obra", não sei bem se é isso. A música e os conceitos musicais mudaram bastante e em pouco tempo, e você estão cansados de saber disso. Mas o que eu quero tratar é de como é complicado fazer trabalho autoral e ser reconhecido por isso, especialmente no Brasil. Vivemos em dias que isso é praticamente impossível se esse reconhecimento não vier com alguma "troca de favores" por trás de tudo. Os casos são simples: em referência a música clássica, até hoje, sabemos quem são os grandes compositores e sabemos as operetas e óperas compostas por eles. Bäch, Chopin, Strauss, Vivaldi, entre tantos outros, possuem uma "discografia" reconhecida mundialmente desde jovens até pessoas mais velhas. Algo que acontece ciclicamente durante o tempo que o trabalho deles foi conhecido por esses jovens e velhos. E os torna, até hoje, ainda bem, em grandes referências musicais para grandes artistas que surgem.
O artista morre, a obra fica. E no caso da música, como grandes poetas gostam de se referir, ela não morre. Mas bem no meio disso tudo surge uma preocupação, algo que já esta difundido na música local e que eu tinha medo que chegasse até a música clássica, visto o grande desinteresse da população brasileira pela música. A falta de conhecimento de uma população sobre a música, muito em razão de quem difunde essas músicas para a população. O brasileiro trata a música mais como reality show musical do que como ciência ou sentimento. A música aqui, em 90% dos casos, é uma disputa entre quem canta mais e quem canta menos e quem é mais bonito ou mais feio. Falo isso e muitos irão questionar essa minha afirmação, mas sendo um país de dimensões continentais, como somos, temos pouquíssimas escolas de música. Não há, na educação de base, nada em referência a música. Uma disciplina, uma atividade, um grupo, um coral, nada. Se existe, são poucas e podemos contar nos dedos. O que ainda temos são abnegados que se dispõem a ensinar crianças/jovens/adultos que não tiveram oportunidade a conhecer algum instrumento e, por sorte, que ele consiga ter um bom proveito dessa oportunidade.
O medo é, tanto com o futuro musical desse país, quanto em relação a obra. Em uma propaganda do Hospital Varela Santiago, veiculada nas redes de TV's aqui do RN, a música de fundo executada é uma obra de Fryderyk Chopin: Nocturne No.2 - Op.9 No.2 - em Eb. Um certo dia resolvi ir até o Twitter e na caixa de pesquisa coloquei: Varela Santiago. O que apareceu foram algumas menções ao comercial e a música do comercial, uma em especial a música que segundo o usuário era do Muse. Não tenho nada contra o Muse, inclusive é uma das bandas que escuto frequentemente. Mas a menção me chamou a atenção. Não estou recriminando quem fez a menção. Ele não tem a obrigação de saber de quem era aquela "música". Ele referiu-se justamente porquê no álbum "The Resistence", faixa 5 "United States of Eurasia + Collateral Damage", no final da música, a banda presta uma homenangem a essa obra de Chopin. É bonito a homenagem, e perigosa. Quantas pessoas acreditam que a música é realmente do Muse? É algo que temos difundido na música local, como falei anteriormente.
Desde o início da difusão musical nesse país, através das rádios e depois da TV, temos o costume de ouvir músicas e mais músicas interpretadas por CENTENAS de artistas. Mas, curiosamente, o intérprete é sempre mais aclamado do que a obra. Não tenho nada contra os intérpretes, desde que eles identifiquem qual a obra e quem é o autor dela. O fato de interpretar e não mencionar o seu autor e a obra vai aos poucos "matando" quem construiu tudo aquilo em que o intérprete agora se apoia. Ao mesmo tempo, a interpretação em demasia acaba afetando um pouco da criatividade de novos artistas. E para que uma nova gama de bons artistas possa surgir é preciso que essas obras renomadas sirvam como base de renovação para as que serão criadas.
Bäch, Chopin, Strauss, Vivaldi e etc. são executados até hoje e distingue-se logo que a obra ao ser executada é de algum deles. Se um pianista apresenta-se em um local e começa a tocar Chopin, quem conhece vai identificar: essa obra é de Chopin. E com as demais músicas, isso acontece? O Rock sofre na região nordeste com as adptações de letras em suas música originais. E o ouvinte acaba relacionando a música a quem está executando, "matando" assim a verdadeira obra. O próprio artista brasileiro utiliza-se de composições como "Que faço eu da vida sem você", música escrita por Fernando Mendes e interpretada por ele mesmo, mas que ganhou "visibilidade" e até mesmo a "autoria" com Caetano Veloso. Para muitos a música é de Caetano, e eu tenho a opinião de que o próprio Caetano fez muito para que isso fosse difundido, lamentavelmente. Se eu for citar mais exemplos esse texto terá mais 200 ou 300 linhas. Mas a idéia já foi passada. Era sobre o que eu queria escrever. A valorização exacerbada de artistas, o endeusamento, os "reis" e "rainhas" que teimamos em rotular, todas essas coisas mesquinhas acabam matando a obra e o seu autor. E o ouvinte acaba absorvendo apenas o que ouve e o que vê. Mas a música é muito mais do que você ouve ou vêr.
Aprendemos com o tempo que é desnecessário "letrar" uma música. Que mesmo sem letra nenhuma você pode expôr tudo que está sentindo. Eu aprendi isso com David Gilmour. Tantos outros aprenderam com Hendrix, Eric Clapton. Artistas que são referências, que criaram novas obras com a idéia vinda de outros artistas anteriores. É essa renovação que faz do Rock o ritmo que é. É essa falta de renovação e de idéias que faz dos "ritmos" brasileiros o "repeteco" que é. Viveremos eternamente de intérpretes e deixaremos os bons músicos e as boas obras morrerem? Não gostaria disso.
Para finalizar, talvez Chopin, por exemplo, seja reconhecido até hoje com um grande pianista exatamente pela sua estupenda qualidade e sua genialidade. A obra de Chopin é tocada e logo alguém identifica. Independente de quem esteja interpretando. Esta aí, a diferença entre o 'bla bla bla' produzido aqui e a grande obra musical. Talvez a complexidade da obra seja um degrau inalcançável para quem quer ganhar a fama com a obra de Chopin (ou Bethoven, ou Strauss). Talvez só consiga intepretar quem tem prazer ao invés de objetivos financeiros. Talvez seja por isso que nenhum Chimbinha, nenhum Thiaguinho, nenhuma Restart, nenhuma Claudia Leite, nenhuma Ivete Sangalo, consigam interpretar uma obra dos grandes músicos clássicos que citei. Mas é tanto talvez... Que a música seja feita de mais grandes obras e grandes autores e menos por intérpretes e seus trabalhos feitos pela metade. Que o intérprete seja parte da obra e não o expoente.
E sobre a música e suas letras: vai vêr é como dizem por aí mesmo: "Falar? Desnecessário, antiquado. Uma colisão da evolução. Como seu dedo mindinho."
Enaldo Segundo é Estudante de Eng. Florestal e "finge" gostar de música.
Grande texto, Segundo. Primeiramente, queria agradecer a disponibilidade do texto para o Rock'N'Prosa.
ResponderExcluirEsse é o mundo que vivemos, infelizmente, mas, cabe a nós resistirmos. É como gosto de falar: "Não é porque o mundo é louco, que devemos entrar na mesma paranóia". Esses "músicos" e como falei recentemente "gravadoras" estão contribuindo para isso, estão matando a música aos poucos, visando somente o lucro. É a triste realidade. É claro que o "público" também tem a sua parcela de contribuição.
No Brasil e no mundo existe muita gente talentosa, que compõe boas músicas, o público só não valoriza porque não são induzidos pela mídia a isso. Puxando para o rock'n'roll, em Natal/RN mesmo existe o Comando Etílico, uma excelente banda, com músicas que se fossem assinadas por Ozzy seriam grandes clássicos do rock mundial, mas não são devidamente reconhecidos.
O pior de tudo é que vemos esses episódios (não querendo desmerecer quem assiste) nesses "Ídolos" e "The Voice". Em teoria, esses reality shows contribuiriam e muito para o conhecimento musical do público, se fosse abordado corretamente, misturando estilos, abrindo a cabeça das pessoas para a diversidade musical. Mas não, o que vemos é que a música virou um concurso de beleza. Basta você "emocionar" o público que você ganha uma participação no Faustão e grava um disco pela Som Livre.
Não cabe a nenhum de nós entrar nessa paranoia. E como diz o Zeca Baleiro: "Se isso é o céu, eu prefiro o meu inferno".